A casa – Ponto de encontro entre duas histórias

“…Nesta casa
Há segredos
Há sonhos
Há passado
Há histórias
Há saídas para outras paragens…”

 

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Vi-te à janela e
Revivi épocas de outrora
Nesta casa
Nasci e cresci
Amei
Tornei-me mulher
Namorei e casei
E filha nasceu
Memórias que ficarão em mim para sempre

Nesta casa
Senti-te minha mãe
Senti-te meu pai
Senti-te meu irmão
Senti-te meu marido
Senti-te minha filha
Senti amor
Senti vida
Sentimentos que ficarão em mim para sempre

Nesta casa
Vi-te morrer meu pai
Vi-te adoecer minha mãe
Vi silêncio
Vi solidão
Vi tristeza
Mas também vi festejos
Vi alegria
Vi amor
Vi vida
Lembranças de todos em mim para sempre

Nesta casa
Há segredos
Há sonhos
Há passado
Há histórias
Há saídas para outras paragens
Procurei outro lugar porque a vida empurra

Nesta casa
Há novas gentes
Há novas vidas
Há uma nova casa
Há novos amores
Há novas histórias
Há que continuar o tempo que sobra em nós para sempre

D.

#1 – Maravilhoso pedaço de vida

“Era uma vez …”. Aconteceu uma história … neste dia! Como acontece em todas as histórias, há sempre um dia em que tudo começa, como naquele outro dia de qualquer outra história.

“Era uma vez …”. Aconteceu uma história … neste dia!

Como acontece em todas as histórias, há sempre um dia em que tudo começa, como naquele outro dia de qualquer outra história.

A história deste dia começa com um simples telefonema. A Bianca estava em casa com a sua recém-nascida, Carminho de seu nome, com apenas 3 meses tinha acabado de mamar, de fraldinha mudada, serenamente acabou por adormecer. Ambas deliciavam-se ternamente e desfrutavam a aventura de mais um dia de verdadeira magia entre mãe e filha.

Viver a maternidade é uma experiência enriquecedora e bem profunda na vida de uma mulher. Mas naquele dia algo inesperado aconteceu. Uma notícia chegou e abalou toda a felicidade que repousava no seu íntimo.

A avó da bebé – Maria Rosa, em pânico, gritando, chorando, soluçando e de voz trémula lá conseguiu finalmente dizer à sua filha Bianca, que o seu marido, o avó da pequena Carminho, tinha sofrido um ataque cardíaco, tinha partido, morreu tão repentinamente quanto a chamada que se fazia escutar naquele instante e naquele seu telefone.

Incrédula, perante uma situação tão intensamente dolorosa, consigo encontrar forças para agarrar a minha filha nos braços, telefonar ao meu marido e rapidamente nos deslocarmos ao local do infortúnio, a morada de família.

Que tragédia … Como superar a dor até que não doa e se transforme numa doce saudade de quem partiu? 

A perda de um ente querido é uma dor insuportável. Pelo caminho, enquanto o meu marido Ben, conduzia e a minha filha dormia, a tristeza encorpava, o pensamento acelerava e eu chorava devagarinho. Ainda ontem estivemos todos juntos a jantar e ele estava distintamente bem, feliz com a sua neta e família. Agora não mais o tenho presente na minha vida nem na da minha filha, este maravilhoso pedaço de vida.  

Como reagir a esta tragédia? Como fazer o luto? Um homem ainda tão novo que tinha tanto para dar. Como o avô Zé, iria partilhar com esta neta as suas histórias vividas, ou brincar ou ajudar a crescer? Como a sua esposa e minha mãe querida, iria ultrapassar a morte do seu amado esposo? E eu, sim eu … como seriam os dias vividos com a sua ausência daqui para a frente? Estas e outras perguntas bailavam estonteantes de mim para mim … as respostas essas eram igualmente ausentes.

Absorvida nos meus pensamentos, dei conta de um choramingar distante mas, ainda assim, presente e bem perto de mim. A minha filha ali mesmo ao lado, irrequieta, com fome clamava por atenção mas, eu na minha dor, nem percebia ou não queria perceber e continuava abstraída, até que um choro dorido me prendeu, virei-me para ela, limpei as minhas lágrimas que teimavam em cair, agarrei, acarinhei e beijei este maravilhoso pedaço de vida, sofregamente … e ela sorriu, não sei se em resultado de alguma cocegazita! Acalmou sorridente enquanto seguíamos o nosso caminho.

Como é possível alguém estar a viver um momento da vida tão feliz e, de repente, uma morte vem assombrar essa felicidade? Os pensamentos voavam… voavam…

Entretanto chegados a casa, os vizinhos chorosos e tristes abraçaram-nos, alguém segurou na alcofinha da bebé, os bombeiros acabavam de arrumar os “utensílios” e saíram. Um corpo inanimado, morto no chão, a mãe, inconsolável, assim que me viu caiu num pranto arrasador, corri para ela como que a pedir o impossível – o meu pai vivo – abraçou-me, gritou, chorou inconsolável e, descontrolada, enquanto eu sem forças, tudo deixei fazer sem saber como reagir, o que dizer e o que fazer, apenas deixei que as dores se encontrassem e os sentimentos se soltassem, mas o alívio não chegava e a serenidade estava longe das nossas vidas.

Os calmantes que nos “obrigaram simpaticamente” a ingerir não produziram o seu efeito, pelo que enquanto “alguém” tratava dos procedimentos normais e adequados a estas alturas, o desânimo, a frustração, a exaustão, a tristeza, a raiva e até a negação da realidade mantiveram-se que nem “carraças” connosco, naquele dia e nos seguintes … e o bálsamo não chegava, o conforto, o alívio, a superação e o amenizar da dor, apenas a saudade se começava a fazer sentir cada vez mais.

Lentamente as nossas vidas retomavam a sua rotina diária, entrei no ritmo quotidiano, trabalhar, deixar a filha com a avó Maria, ir buscá-la, dar atenção à mãe, cuidar de uma filha bebé, seguir a vida em frente. Esta experiência avassaladora que nos deixou tristes com um sentimento enorme de perda, alertou-nos para a importância da vida, da união, da harmonia, da importância da companhia familiar e de amigos.

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Num ímpeto aflora na minha memória um verso de Fernando Pessoa que relembra que “morrer é só não ser visto”, como uma força invisível que me transporta a sentir a sua presença e me ensina a superar a dor da perda e da ausência.

Neste instante, a emoção cresce, e dou conta que o meu maravilhoso pedaço de vida, a minha filha, foi um milagre que aconteceu nas nossas vidas. Uns partem outros nascem, a vida é isso mesmo. Fazendo jus à máxima de que a morte é algo inevitável e que todos nós partiremos um dia, mas que na verdade ninguém está preparado para ela nem para dizer adeus aos nossos entes queridos.

Mas … esta filha neta que nos remeteu para a vida, foi ela que nos ajudou a recuperar a alegria, um simples sorriso seu, um olhar carinhoso, ajudou-nos a adaptar e transportou-nos para uma nova realidade – viver em família e sentir a presença do marido, do pai e do avô entre nós.

 

 

 

A morte é a curva da estrada

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa

Poema à mãe

“Olha – queres ouvir-me? –
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;”

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No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal…

Mas – tu sabes – a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.tree-3322566__340
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

 

Eugénio de Andrade, in “Os Amantes Sem Dinheiro”

 

Mãe, todos os dias são teus!

Em todos os ciclos de vida a nossa mãe está presente.

A presença dos pais junto dos filhos é uma relação de conforto e ternura. Todo o acompanhamento, quer pelo pai quer pela mãe,  é o alvo primordial para o nosso bem estar.

As interações que estabelecemos com a nossa mãe influenciam, de forma mútua, as nossas vidas, as nossas experiências e os nossos pensamentos.  Em questões emocionais, o abraço, o beijo e o olhar, com a nossa mãe, permitem uma troca energética de cumplicidade e de amor.

Todos os dias são dias da mãe mas, no primeiro domingo de maio, têm um toque de flores, de lembranças, de união e do saber que emerge do papel de mãe.

Para dar continuidade, temos de reconhecer que saímos do ventre de nossa mãe, que houve um cordão umbilical que nos uniu e onde as trocas foram constantes, com base numa aprendizagem de dar e de receber desde o momento da nossa criação, dos nossos princípios e dos nossos segredos.