#1 – Maravilhoso pedaço de vida

“Era uma vez …”. Aconteceu uma história … neste dia! Como acontece em todas as histórias, há sempre um dia em que tudo começa, como naquele outro dia de qualquer outra história.

“Era uma vez …”. Aconteceu uma história … neste dia!

Como acontece em todas as histórias, há sempre um dia em que tudo começa, como naquele outro dia de qualquer outra história.

A história deste dia começa com um simples telefonema. A Bianca estava em casa com a sua recém-nascida, Carminho de seu nome, com apenas 3 meses tinha acabado de mamar, de fraldinha mudada, serenamente acabou por adormecer. Ambas deliciavam-se ternamente e desfrutavam a aventura de mais um dia de verdadeira magia entre mãe e filha.

Viver a maternidade é uma experiência enriquecedora e bem profunda na vida de uma mulher. Mas naquele dia algo inesperado aconteceu. Uma notícia chegou e abalou toda a felicidade que repousava no seu íntimo.

A avó da bebé – Maria Rosa, em pânico, gritando, chorando, soluçando e de voz trémula lá conseguiu finalmente dizer à sua filha Bianca, que o seu marido, o avó da pequena Carminho, tinha sofrido um ataque cardíaco, tinha partido, morreu tão repentinamente quanto a chamada que se fazia escutar naquele instante e naquele seu telefone.

Incrédula, perante uma situação tão intensamente dolorosa, consigo encontrar forças para agarrar a minha filha nos braços, telefonar ao meu marido e rapidamente nos deslocarmos ao local do infortúnio, a morada de família.

Que tragédia … Como superar a dor até que não doa e se transforme numa doce saudade de quem partiu? 

A perda de um ente querido é uma dor insuportável. Pelo caminho, enquanto o meu marido Ben, conduzia e a minha filha dormia, a tristeza encorpava, o pensamento acelerava e eu chorava devagarinho. Ainda ontem estivemos todos juntos a jantar e ele estava distintamente bem, feliz com a sua neta e família. Agora não mais o tenho presente na minha vida nem na da minha filha, este maravilhoso pedaço de vida.  

Como reagir a esta tragédia? Como fazer o luto? Um homem ainda tão novo que tinha tanto para dar. Como o avô Zé, iria partilhar com esta neta as suas histórias vividas, ou brincar ou ajudar a crescer? Como a sua esposa e minha mãe querida, iria ultrapassar a morte do seu amado esposo? E eu, sim eu … como seriam os dias vividos com a sua ausência daqui para a frente? Estas e outras perguntas bailavam estonteantes de mim para mim … as respostas essas eram igualmente ausentes.

Absorvida nos meus pensamentos, dei conta de um choramingar distante mas, ainda assim, presente e bem perto de mim. A minha filha ali mesmo ao lado, irrequieta, com fome clamava por atenção mas, eu na minha dor, nem percebia ou não queria perceber e continuava abstraída, até que um choro dorido me prendeu, virei-me para ela, limpei as minhas lágrimas que teimavam em cair, agarrei, acarinhei e beijei este maravilhoso pedaço de vida, sofregamente … e ela sorriu, não sei se em resultado de alguma cocegazita! Acalmou sorridente enquanto seguíamos o nosso caminho.

Como é possível alguém estar a viver um momento da vida tão feliz e, de repente, uma morte vem assombrar essa felicidade? Os pensamentos voavam… voavam…

Entretanto chegados a casa, os vizinhos chorosos e tristes abraçaram-nos, alguém segurou na alcofinha da bebé, os bombeiros acabavam de arrumar os “utensílios” e saíram. Um corpo inanimado, morto no chão, a mãe, inconsolável, assim que me viu caiu num pranto arrasador, corri para ela como que a pedir o impossível – o meu pai vivo – abraçou-me, gritou, chorou inconsolável e, descontrolada, enquanto eu sem forças, tudo deixei fazer sem saber como reagir, o que dizer e o que fazer, apenas deixei que as dores se encontrassem e os sentimentos se soltassem, mas o alívio não chegava e a serenidade estava longe das nossas vidas.

Os calmantes que nos “obrigaram simpaticamente” a ingerir não produziram o seu efeito, pelo que enquanto “alguém” tratava dos procedimentos normais e adequados a estas alturas, o desânimo, a frustração, a exaustão, a tristeza, a raiva e até a negação da realidade mantiveram-se que nem “carraças” connosco, naquele dia e nos seguintes … e o bálsamo não chegava, o conforto, o alívio, a superação e o amenizar da dor, apenas a saudade se começava a fazer sentir cada vez mais.

Lentamente as nossas vidas retomavam a sua rotina diária, entrei no ritmo quotidiano, trabalhar, deixar a filha com a avó Maria, ir buscá-la, dar atenção à mãe, cuidar de uma filha bebé, seguir a vida em frente. Esta experiência avassaladora que nos deixou tristes com um sentimento enorme de perda, alertou-nos para a importância da vida, da união, da harmonia, da importância da companhia familiar e de amigos.

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Num ímpeto aflora na minha memória um verso de Fernando Pessoa que relembra que “morrer é só não ser visto”, como uma força invisível que me transporta a sentir a sua presença e me ensina a superar a dor da perda e da ausência.

Neste instante, a emoção cresce, e dou conta que o meu maravilhoso pedaço de vida, a minha filha, foi um milagre que aconteceu nas nossas vidas. Uns partem outros nascem, a vida é isso mesmo. Fazendo jus à máxima de que a morte é algo inevitável e que todos nós partiremos um dia, mas que na verdade ninguém está preparado para ela nem para dizer adeus aos nossos entes queridos.

Mas … esta filha neta que nos remeteu para a vida, foi ela que nos ajudou a recuperar a alegria, um simples sorriso seu, um olhar carinhoso, ajudou-nos a adaptar e transportou-nos para uma nova realidade – viver em família e sentir a presença do marido, do pai e do avô entre nós.

 

 

 

A morte é a curva da estrada

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa

Autor: HUCILLUC

Aqui e Ali entre momentos festivos e caricatos, convive-se. Aqui e Ali sente-se, lê-se, leva-se tudo ou talvez nada!

5 opiniões sobre “#1 – Maravilhoso pedaço de vida”

  1. Emocionante, estou gestante de 10 semanas, me vi dentro da sua história, é preciso ter muita força para seguir em frente! Parabéns e que Deus continue te abençoando.

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